Postagens populares



26 de julho de 2010

www.museufritzplaumann.ufsc.br

Fritz Plaumann

Numa aconchegante casa construída na década de 40, cercada de um bem cuidado e florido jardim, no município de Seara, interior de Santa Catarina, viveu um dos milhares de imigrantes alemães que chegaram ao Brasil no início do século. A história desse teuto-brasileiro seria igual à de tantos outros imigrantes do sul do país que trabalharam duro para garantir as condições mínimas de sobrevivência num ambiente inóspito, não fosse ele Fritz Plaumann, um dos mais respeitados entomologistas do mundo.
Em 70 anos de trabalho dedicado e apaixonado, esse caçador, colecionador e estudioso de insetos conseguiu classificar um total de 17 mil espécies. Dessas, 1.500 eram desconhecidas da ciência.

Foto de Plaumann dentro do MuseuVista do Museu

O trabalho meticuloso desse pesquisador autodidata conquistou o reconhecimento de seus colegas cientistas de todo o mundo, que batizaram 150 das novas espécies descobertas por ele com o seu nome. A maioria delas são besouros, como o Atenisius plaumanni, o Aleiphaquylon plaumanni e o Ormeta plaumanni. Uma homenagem justa. E talvez a mais importante que já recebeu, por ser imorredoura. Mas não foi a única. No início de 1991, recebeu a Grã-Cruz do Mérito Científico da Alemanha, a mais alta condecoração do gênero concedida por seu país de origem. Foi homenageado também pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que em 1985 concedeu, em sua Reitoria, o título de Mérito Universitário. Foi homenageado pela Assembléia Legislativa com o título cidadão catarinense.
Modesto, um pouco arcado pela bagagem de experiências vividas e pelo peso dos anos, o velho cientista não deixou transparecer qualquer emoção pelo fato de ter emprestado o sobrenome para identificar novas espécies de insetos: "Qualquer espécie nova é motivo de orgulho para mim", dizia, com a humildade própria de um pesquisador abnegado que cumpriu o seu trabalho. E teve o prazer de realizar a sua vocação. Desde pequeno, quando ainda morava em Pressich Eylau, na Prússia Oriental (atual Lituânia), ele se interessava por animais. Insetos, principalmente. O seu maior prazer era percorrer as estantes e bancadas do museu de zoologia do colégio onde estudava e mergulhar nos livros, com gravuras coloridas, que seus pais, Friederich e Hulde, lhe davam de presente. Membro de uma família de classe média alta, teve facilidade para se dedicar aos estudos, até que a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) bombardeou seus sonhos de adolescente, destruiu a sua cidade, ocupada pelo exército russo, e trouxe a miséria da depressão econômica para o seu cotidiano.
A família apostou tudo na esperança de reconstruir a vida em outro continente. Juntou os recursos disponíveis e embarcou no sonho de reencontrar a paz e a prosperidade na terra prometida - o Brasil, onde desembarcou em 1924. Os Plaumann foram os primeiros a chegar na atual Nova Teutônia, distrito de Seara, quase 700 quilômetros distante de Florianópolis. A viagem foi difícil. Os últimos 80 quilômetros tiveram de ser vencidos em lombo de burro. O jovem Fritz, então no vigor de seus 22 anos, se entusiasmou com a mata virgem da região. "Fiquei fascinado com a diversidade da fauna. Na Europa, não imaginava nada semelhante". Todos os pormenores dessa viagem a um mundo novo não estão registrados apenas na memória do cientista.
Tudo está documentado, em minúcias, na autobiografia que ele escreveu por cerca de 70 anos. Ali estão anotadas descrições dos peixes avistados e as condições do tempo durante a viagem de navio para o Brasil - um hábito que Plaumann manteve por toda a sua vida, comprovado pelo lugar de destaque que um barômetro e um termômetro ocupam na sua sala, na casa em Nova Teutônia, município de Seara-SC, onde morou. Ele anotava diariamente, a temperatura, a pressão atmosférica, a precipitação pluviométrica e outras observações sobre o tempo. Essa meticulosidade surpreende sua assistente, Edeltraudt Pierozza. Ela acompanhou o trabalho do cientista por mais de 22 anos, que a tratava como uma filha. Os cuidados com os insetos eram os mesmos, desde que ele chegou ao Brasil: escrever o nome científico, o sexo e a espécie de cada inseto, a mão, numa minúscula etiqueta presa sobre o animal; depois guardar os exemplares em gavetas de vidro, onde a umidade é controlada e bolinhas de naftalina os protegem do ataque de insetos vivos. Com esses procedimentos ele nunca perdeu um único exemplar da coleção, apesar de centenas deles estarem guardados há mais de 60 anos.
Hoje são 80 mil exemplares de 17 mil espécies diferentes, adequadamente preservados em condições ideais de umidade e temperatura, que formam um acervo entomológico (entomologia é o estudo dos insetos) que não poderá ser igualado, pois mais de 70% das 17 mil espécies catalogadas já não existem mais, reunidas no Museu Entomológico Dr. Fritz Plaumann, construído em frente de sua casa pela prefeitura de Seara e pela Fundação Catarinense de Cultura, com o apoio do Banco do Brasil, hoje, um convênio entre a
UFSC e a prefeitura de Seara (detentora do acervo), administram o museu e garantem a proteção à grande obra de Fritz Plaumann. São gafanhotos, bichos-pau, moscas, vespas, percevejos cigarras, baratas, abelhas, louva-a-deus, besouros, lavadeiras, neurópteros e borboletas diurnas e noturnas com indescritíveis combinações de cores e tons.
No caso das borboletas, as musas da coleção, o cientista teve a preocupação de demonstrar a evolução completa do inseto, do estado larval ao adulto. Ele adotou esse mesmo critério em relação às espécies importantes para o estudo de doenças humanas, como o mosquito Aedes aegypt, transmissor da dengue e da febre amarela.
Dos exemplares da coleção, a maioria (95%) é da região do Alto Uruguai, que ele começou a explorar assim que se instalou em Nova Teutônia, município de Seara. O começo foi árduo. Tinha de dividir o tempo entre o trabalho duro de amanhar a terra como agricultor, as tarefas de professor (responsável pela alfabetização de várias gerações de habitantes da região) e o estudo de entomologia. Foi também fotógrafo ambulante e comerciante. Em meio a essas atividades, ainda arranjava tempo para enveredar pelas florestas do Alto Uruguai, em busca de insetos. Nessas ocasiões, um cão era o seu único e fiel companheiro. Só na década de 50 ele teve mais tempo e recursos para se dedicar às pesquisas. Nessa época, com um caminhão International ou um jipe importado, rodou pelo Pantanal, pelo oeste e norte paulista e até pelo Rio de Janeiro em busca de novas espécies.
Apesar das dificuldades do início, pela época e pelo local onde vivia, Plaumann conseguiu ser perfeito no trabalho de captura, conservação e classificação das espécies apanhadas nas expedições. A falta de livros de consulta foi solucionada por meio de um intenso intercâmbio, que resultou em grandes amizades e no seu reconhecimento pela comunidade científica internacional. Ele enviava insetos e, em troca, recebia livros e outros insetos. Desse modo, forneceu material para os acervos de museus de 12 países no mundo, entre eles o British Museum, de Londres, e os de Estocolmo, Viena e Belgrado.
No Brasil, o reconhecimento da importância do seu trabalho só ocorreu recentemente. Isso em parte se justifica pelo fato de que ele tinha fama de esquisito, explica a sua assistente Edeltraudt. Reservado, ainda hoje ele fala muito pouco. Só o estritamente necessário. E dificilmente fazia novas amizades. Prefereria gastar seu tempo livre em companhia da filha adotiva Gisela Plaumann, de 57 anos, ou lendo livros, ouvindo Mozart, Bach e Haendel e mesmo executando as obras desses compositores no violino ou no velho harmônio (um pequeno órgão de salão).

Nas horas de folga, Plaumann dedicava-se à música, tocando harmônio ou violino.Residência do cientista. Quadro do cientista pintado pela artista plástica searaense Sra. Eni Zanuzzo

Com o passar do tempo, entretanto, esse enérgico mestre-escola passou a ser compreendido e admirado em Seara. Isso impediu que a sua coleção, considerada a mais importante da América Latina, fosse vendida para a Universidade Federal do Paraná, num momento de crise financeira. A prefeitura da cidade comprou a coleção do seu cidadão mais ilustre para montar o museu que leva seu nome.
Fritz Plaumann enfrentou também dificuldades burocráticas e a incompreensão das autoridades na sua carreira de entomólogo. Na década de 70, foi perseguido pelo extinto IBDF -Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, acusado de "dizimar a fauna" porque enviava espécimes de insetos para o exterior. E só pôde continuar o seu trabalho depois de obter licença daquele órgão e da Universidade Federal de Santa Catarina. Um episódio carregado de amarga ironia para quem resgatou, para os acervos de museus de todo o mundo, espécies de insetos que se extinguiram ou que estão ameaçados de extinção, dizimados por desmatamentos, agrotóxicos e queimadas.
Falando num português com forte sotaque alemão, Plaumann diz que não entende por que só agora há esse interesse por métodos de controle biológico de pragas na lavoura. "Primeiro destroem tudo, depois querem imitar a natureza", afirma o cientista, que há 40 anos já defendia essa prática preservacionista. Inconformado, ele se lamenta: "Já perderam muito tempo. Talvez a atual conscientização ecológica tenha despertado muito tarde".
No dia 22 de setembro de 1994, às 9h45min, Fritz faleceu. Plaumann foi considerado pela Californian Academy Of Science como o maior colecionador de insetos da América Latina no século XX.

(O texto acima, foi feito por Carlos Stegmann, foi retirado da Revista Globo Rural de Junho de 1993 págs. 49, 50 e 51, foi adaptado e adicionado novas informações. Algumas das fotos desta página também são desta mesma revista de autoria de Olívio Lamas, e as outras foram retiradas de folhetos sobre o museu.)